terça-feira, 17 de setembro de 2013

"Barba, amor. Barbamor."

Muitas vezes eu estou caminhando tranquilamente pelas ruas de minha cidade quando sou abordado por pessoas que me conhecem desde a infância ou amigos da família e a entre as conversas cotidianas sempre surgem duas dúvidas, a primeira é sobre os meus piercings, normalmente querem saber por que eu os coloquei ou se doeu, ou se meus pais não implicaram com isso, aquelas questões normais de pessoas que mora em cidade pequena e não se acostumaram com a visão de um cara de vinte anos com uns furos na cara. A segunda pergunta normalmente é voltada à minha barba, tanto pelo desleixo com o qual eu crio ela - deixando-a crescer livre e espontaneamente para todos os lados que desejar - quanto pela cor estranha que ela tem, afinal de contas nem meu pai, nem minha mãe têm traços de cabelo ruivo e a minha barba é, naturalmente, ruiva e fica mais ruiva ainda quando bate o sol.

Existe uma explicação, nada genética, para a cor da minha barba. É simples até, é um motivo mó besta. No começo eu negava isso, mas depois eu fui aceitando e hoje eu já estou bem conformado com o fato. Eu achava, no começo, que a barba era ruiva pra representar o sangue dos inimigos que matei em vidas passadas, já que eu acredito fielmente que era um dinossauro na encarnação passada. Mas não, o motivo é menos sanguinolento e bem mais realista do que uma simples repercussão cármica.

Vamos voltar no tempo um pouco e nos distanciar pra que vocês possam ver o desenho inteiro. O ano era 2001, eu estava ai com meus nove anos de idade e morava em uma casa no centro da cidade onde hoje é a CDI - caso você more em Três Lagoas, fica fácil pra se localizar - e, apesar de ser no centro, eu vivia brincando na rua com alguns amigos. Naquela época, a avenida na qual a casa fica situada ainda não tinha ganho a alcunha de "campeã de acidentes automotivos de Três Lagoas", mas era bem movimentada e por isso eu e meus queridos amiguinhos que moravam naquela região vivíamos com o sentido aranha ativado quase vinte e quatro horas por dia, uma bola que ia parar na rua se tornava numa missão semi-suicida de resgate e isso tornava tudo muito mais emocionante, ainda mais quando a sua mãe é a dona Rita escandalosa como uma gralha no cio e protetora como uma água-robô com lasers.

Naquela época meu pai já tinha o Rárrárrá - pra quem não conhece, esse é o caminhão branco de setecentos anos que era usado por ele pra colocar e transportar os outdoors - e vez ou outra ele estacionava aquele trambolho branco gigantesco na avenida, normalmente ele deixava o bicho ali por meia hora, uma hora no máximo e na maioria das vezes de noite. Ele fazia isso quando estava no centro e precisava parar pra tomar um lanchinho ou beber uma água... Houve um domingo no qual o caminhão estava lá parado, não lembro o motivo, mas já passava de meio dia e o bicho estava lá estacionado. Naquela semana meu último controle de super nintendo tinha paulado e eu estava esperando chegar segunda-feira pra comprar um controle novo. Agora, faça a matemática: Três meninos retardados + Dois controles de Super Nintendo que não funcionavam + Um caminhão estacionado na avenida cheio de graxa + canos de PVC... Qual o resultado?
Se você pensou em orgia, então está na hora de ir se tratar. Agora, se você pensou em três super heróis brincando na carroceria do caminhão, se sujando de graxa e lutando usando canos de pvc como bastões e os controles do Super Nintendo como chicotes/manguais, então você acertou.

Estávamos ali, os três em cima da carroceria do caminhão, que é um mercedão antigo com uns 20 metros de comprimento e eu vi de longe uma velhinha começando a atravessar a rua, meu sensor aranha de criança criada brincando em uma das avenidas mais movimentadas da cidade me alertou que tinha um carro vindo lá longe e vinha rápido de mais pra frear. O carro ia pegar a velhinha, mas eu agi mais rápido, saltei da carroceria do caminhão - sim, eu tinha nove anos de idade e a carroceria devia ter umas oito vezes a minha altura - e sai correndo pra socorrer a velhinha, girei o controle do Super Nintendo, lacei a perna da véia e puxei ela pra fora da rua, o carro passou. Ela caiu e se machucou, mas não morreu atropelada, era um ponto a favor... Foi então que eu percebi algo estranho naquela mulher, ela tinha o nariz um pouco maior que o normal e uma verruga peluda na ponta, meu cérebro de garoto de nove anos de idade fez a matemática rapidinho e percebeu que eu estava de frente pra uma bruxa, daquelas de história infantil mesmo, e eu entrei e desespero e quis fugir, mas o olhar mortal dela me paralisou. Ela então sorriu e eu fiquei aliviado, não sem antes me mijar inteiro, e me disse com aquela voz de bruxa "Menino... Você salvou a vovó, por isso eu vou te fazer um favor... Shimbalabambalabum Ziriguidumitê Kabuletê!" e da ponta do dedo dela saiu voando um raio avermelhado que bateu no meu queixo e ela disse "Quando chegar a hora você vai ver que do seu corpo brotará o amor..." é claro que com nove anos de idade nada disso faz sentido e a gente acha que está sonhando ou tendo uma alucinação causada pelo excesso de sol de domingo na cabeça, mas não. Foi tudo real.

Minha vida seguiu normal até os meus dezesseis, dezessete anos de idade, eu nem lembrava mais dessa história até começarem a nascer os primeiros fios de barba.
Os primeiros fios de amor.

E foi então que eu descobri que minha barba era vermelha não por uma questão genética ou por uma questão de carma, minha barba é vermelha pois dela brota todo o amor que existe em mim, todo mundo que já fez carinho nos meus pelos queixais perceberam a paz de espírito e a sensação amorosa que emana dali.
E é isso... Lembre-se sempre que me virem, tocar minha barba traz mais amor pra sua vida.